segunda-feira, dezembro 03, 2007

Coisas do Mano mais novo (com fotos do Mano mais velho)


(...)
Enquanto Ermelinda cumpria a sua jornada de criada doméstica, o filho descobria o pequeno mundo que o rodeava. Observava as abelhas no constante voajar à volta dos marmeleiros em florescência, enquanto colhia para si alvas corolas e botões rosados, que depositava na concha da mão para depois abocanhar com gulodice. Rebolava-se pelos lameiros
encabelados de feno maduro, onde, a coberto das ervas e sofregando os herbácios aromas, habitava os nívios castelos de nuvens, no alto das fecundas tardes de um Maio quase Verão, ouvindo atento os primeiros ribombos da trovoada que corria pelas cer-canias. De peito aberto, recebia as primeiras gotas de chuva, gordas e pesadas como bagos de uva, para de seguida se levantar de um salto enérgico e desatar numa correria inebriante, braços abertos em aeroplano, rosto exposto à água.
Vigiava os pássaros na azáfama da feitura dos ninhos. Mirava os ovos, diversos em tamanhos e cores, de padrões lisos ou pintalgados, sem, contudo, jamais lhe tocar. E, finalmente, assistia aos primeiros gorjeios emitidos pelas novas criaturas que chinfrinavam ruidosamente nos exíguos espaços penujentos.
Aos primeiros ensaios de voo, os olivais enchiam-se de trinados e adejos de asas novas que em breve se robusteciam e se lançavam nas alturas. No chão, a aveia amadurecera, e dela, já ceifada e recolhida à eira, ficava apenas o restolho por onde Anacleto, erradio, se insinuava por entre as sombras calentes das oliveiras, saudoso de um tempo que, bem se lembra, começava com a Festa das Flores, como tanto gostava de ouvir o povo chamar à Páscoa.
In "Uma Borboleta no Prado"
(Romance )
Joaquim Nabais

1 comentários:

)0( disse...

Uma descrição fabulosa da chegada da Primavera, da azáfama da Natureza que se renova, dos dias maiores. Do ser criança e de sentirmos ter todo o tempo do mundo pela frente...

Beijinhos nossos